Não cometerás adultério.

 

A natureza material do homem o impele para a lubricidade. Nada lhe refreia os desejos, desde que se entregue aos instintos animais. E sabeis que estes instintos, principalmente, dominavam naquelas afastadas épocas. Não vedes que ainda agora eles arrastam muitos de vossos irmãos a vergonhosos transviamentos?

 

Os laços que prendem um ao outro o homem e a mulher e que os induzem a perpetuar a espécie têm uma origem nobre e pura, de onde a materialidade da encarnação os desviou, mas à qual é preciso que voltem.

 

A proibição de cometer adultério devia bastar para conter os excessos. Mas, ainda aí a interpretação obedeceu às necessidades da época: o homem e a mulher casados, se cometiam adultério, eram punidos, ela com a pena de morte, ele com a pecha de infame.

 

Este Mandamento, segundo o espírito, se estende a toda quebra da união pura. Compreende todos os arrastamentos carnais, sejam quais forem, que impilam o macho para a fêmea e que rebaixam a humanidade até ao nível dos instintos do bruto.

 

Não vos dizemos: “Deus criou um homem de uma mulher, a fim de provar que uma só existência deviam eles ter.” Esse era o lado moral, o fim moral que, sob o véu da letra, Moisés adotara, colocando-se no ponto de vista dos Hebreus, e que permaneceram os mesmos para as gerações então futuras. Já vos demos explicações a respeito dessa figura emblemática da criação e acerca da própria criação* . Dir-vos-emos, não obstante, o seguinte: os Espíritos se grupam por atração de simpatia. Cada Espírito escolhe o companheiro, ou a companheira, com quem passe o tempo de sua provação. Tal a regra, cuja única, exceção se encontra no caso do celibato como provação.

 

Os Espíritos encarnam, nascem, geralmente em condições que lhes permitam reunir-se. Os que são reciprocamente simpáticos se acham destinados à união. Mas, as disposições materiais de um ou de outro, como encarnados, podem quebrar acidentalmente a harmonia e lhes retardar a união, quer nos limites da encarnação presente, quer até uma outra encarnação. Assim é que um Espírito se vê repelido, desprezado, ou abandonado por outro que lhe é simpático, que o chama, isto é, para o qual ele se sente atraído, porém que se deixou seduzir, ou pelos arrastamentos carnais, ou pelo orgulho, pela ambição, pelo amor do ouro.

 

Quando Espíritos simpáticos um ao outro chegam a unir-se na Terra, de conformidade com a escolha por eles reciprocamente feita antes de encarnarem, nada mais haverá que os separe, que rompa os laços dessa união, desde que ela se realizou por efeito de idêntica, tendências para o bem. Esses não precisam mais que um mandamento lhes diga: “Não cometereis adultério”. Porém, se, uma vez encarnados, descuidando-se dos compromissos assumidos no estado espírita, compromissos cuja lembrança perderam, se bem que um secreto instinto do coração os advirta deles, e dos quais a influência da matéria os afasta, os Espíritos, homens e mulheres, não procuram, na união conjugal, mais do que uma passageira satisfação material, mais do que uma combinação matemática ou social, um negócio de interesse ou de orgulho, os compromissos terrenos quebram os laços de simpatia. Em tal caso, uma afeição pura não enche os corações e os Espíritos buscam compensações na variedade e no mau proceder. A esses o mandamento diz: “Não fornicarás, “não cometerás adultério, porquanto, se a ti mesmo te impuseste carregar uma pesada cadeia, tens que sofrer as consequências; tens que, pelo respeito que deves a esse compromisso irrefletido, atenuar a falta que praticaste contraindo-o; tens que vencer os teus instintos sensuais; tens que dominar a carne e fazer que nasça . a simpatia que deverá reinar — entre o teu Espírito e o da companheira que inconsideradamente escolheste — quando começar o dia da liberdade pela volta de ambos à vida espírita.”

 

Algumas vezes, a união é imposta ao encarnado pela influência e autoridade dos pais, movidos pelo interesse ou pelo orgulho. Tal união constitui, para o que a sofre, uma provação por ele escolhida e que será temporária, ou durará todo o tempo da sua existência terrena. No primeiro caso, terá por efeito apenas retardar, no curso da sua encarnação atual, a união simpática que ele escolhera antes desta. No segundo, o efeito será adiar essa união para uma encarnação posterior.

 

E tanto para esse, como para o que se uniu fugindo às suas provas, o Mandamento emprega a mesma linguagem de que usa para com o que, livre e voluntária, mas irrefletidamente, assumiu um compromisso, desviando-se do caminho que devia seguir.

 

Algumas vezes também, certos Espíritos, desejosos de vencer a antipatia que experimentam um pelo outro, embora nem sempre seja recíproca, escolhem, como provação, unir-se humanamente. Ainda a esses o Mandamento diz: “Não cometereis adultério.” E Jesus, com a sua voz meiga, repete: “Não separe o homem o que Deus uniu”

 

Concluindo as nossas observações sobre este ponto, repetimos: Os Espíritos se destinam à união. Antes de encarnarem, escolhem os que lhes sejam companheiros, a fim de juntos passarem o tempo da provação, auxiliando-se mutuamente, ressalvada a possibilidade de uns ou outros fugirem ao cumprimento de suas resoluções espíritas. Mas, quer isto se dê, quer não, a escolha, seja conforme ou contrária a essas resoluções espíritas, não é fruto do que chamais — o acaso e sim o resultado da direção impressa às provas. Dessa direção depende ser o Espírito desviado de sua rota, ou livre e voluntariamente, ou porque sofra a imposição de uma vontade.

 

Feita a escolha e dado que um dos Espíritos ou ambos se afastem do caminho que deviam seguir, pode acontecer, ou que venham a encontrar-se, ao cabo de certo tempo, na encarnação presente, ou que fiquem momentaneamente separados, até uma nova encarnação, na qual os reconduzirão um ao outro as mesmas simpatias, ou então, se o caso resultar de antipatia, a intenção de, por prova, viverem unidos. A escolha reiteradamente feita acabará por torná-los capazes de levarem a cabo a prova.

 

O celibato também é, para uns, prova; para outros, desvio. Os que, por prova, se destinam ao celibato, não escolheram companheira para a vida, ou, pelo menos (dizemo-lo, a fim de não deixar margem para falsas interpretações), não determinaram que se verificasse sua união terrena com outro Espírito.

 

Para explicarmos todos os casos em que o celibato constitui um transviamento, teríamos que entrar em muitos pormenores. Bastará, pois, vos façamos notar que há celibatários — por egoísmo, por lubricidade, por indiferença, por avareza, por quietismo, doutrina que, assente numa falsa ideia da espiritualidade, faz consistir a perfeição cristã na inação da alma e em a criatura negligenciar das obras exteriores. Há ainda o celibato por voto decorrente da condição imposta a todo aquele, homem e mulher, que se propõe entrar para as ordens monásticas e religiosas. Conforme vos foi relatado no comentário sobre os três primeiros Evangelhos, a imposição desse compromisso nasceu de uma falsa interpretação e de uma aplicação falsa destas palavras de Jesus: “Há os que se fizeram eunucos pelo reino dos céus; aquele que puder compreender isto, que o compreenda”** , palavras que a Igreja não soube nem pôde compreender. O que, a esse respeito, ocorreu, sob o império e o véu da letra, na era cristã, postos de parte os desvios e abusos, teve a sua razão de ser, mas tem que cessar e cessará na era nova do Cristianismo do Cristo, na era espírita, sob o império do espírito.

 

*Ver, com efeito, o que foi desenvolvidamente dito sobre a origem do Espírito (origem da alma), sobre a do homem e da mulher na Terra e sobre os mundos primitivos. (Ns. 56 e seguintes, tomo 1, Evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas, reunidos.)

 

**Ver: Evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas, reunidos e postos em concordância, 3º tomo, páginas 180-188

 

 

OS DEZ MANDAMENTOS

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