A Mansão da Esperança
[…] Emocionados, detivemos-nos diante das Escolas que deveríamos cursar. Lá estavam, entestando-as, os letreiros descritivos dos ensinamentos que receberíamos:
Moral, Filosofia, Ciência, Psicologia, Pedagogia, Cosmogonia, e até um idioma novo, que não seria apenas uma língua a mais, a ser usada na Terra como atavio de abastados, ornamento frívolo de quem tivesse recursos monetários suficientes para comprar o privilégio de aprendê-la. Não! O idioma cuja indicação ali nos surpreendia seria o Idioma definitivo, que havia de futuramente estreitar as relações entre os homens e os Espíritos, por lhes facilitar o entendimento, removendo igualmente as barreiras da incompreensão entre os humanos e contribuindo para a confraternização ideada por Jesus de Nazaré: “Uma só Pátria, uma só bandeira, um só pastor!”
Esse idioma, cuja ausência entre médiuns brasileiros me havia impossibilitado ditar obras como as desejara, contribuindo para que fosse mais penoso o trabalho de minha reabilitação, possuía um nome que se aliava ao doce refrigério que aclarava nossas mentes. Chamava-se, tal como o nosso burgo, Esperança, e lá se encontrava, junto aos demais, o majestoso edifício onde era ministrado, acompanhando-se das recomendações fraternais para que foi ideado! Conviria, assim, que o aprendêssemos, para que, ao reencarnarmos, levando-o impresso nos refolhos do Espírito, não nos descurássemos de exercitá-lo sobre a Terra […]
Últimos Traços
[…] Faltava-me, todavia, o idioma fraterno do futuro, aquele penhor inestimável da Humanidade, e que tenderá a envolvê-la no amplexo unificador das raças e dos povos confraternizados para a conquista do mesmo ideal: – o progresso, a harmonia, a civilização iluminada pelo Amor! Era estudo facultativo esse, como, aliás, todos os demais deveres que tenderíamos a abraçar, mas que os iniciados, particularmente, aconselhavam a fazermos, a ele emprestando grande importância, porquanto esse idioma, cujo nome simbólico é o mesmo de nossa Cidade Universitária, isto é, Esperança – (Esperanto) -, resolverá problemas até mesmo no além-túmulo, facultando aos Espíritos elevados o se comunicarem eficiente e brilhantemente, através de obras literárias e científicas, as quais o mundo terreno tende a receber do Invisível nos dias porvindouros – servindo-se de aparelhos mediúnicos que também se hajam habilitado com mais essa faculdade a fim de bem atenderem aos imperativos da missão que, em nome do Cristo e por amor da Verdade e da redenção do gênero humano, deverão exercer.
Ora, convinha extraordinariamente aos meus interesses em geral e aos espirituais em particular, a aquisição, no plano invisível, desse novo conhecimento, ou seja, do idioma “Esperanto”. Ao reencarnar, levando-o decalcado nas fibras luminosas do cérebro perispiritual, em ocasião oportuna advir-me-ia a intuição de reaprendê-lo ao contato de mestres terrenos. Eu fora, aliás, informado de que seria médium na existência porvindoura e comprometera-me a trabalhar, uma vez reencarnado, pela difusão das verdades celestes entre a Humanidade, não obstante o fantasma da cegueira que se postou à minha espera nas estradas do futuro. Meditei profundamente na conveniência que adviria da ciência de um idioma universal entre os homens e os Espíritos, do quanto eu mesmo, como médium que serei, poderei produzir em prol da causa da Fraternidade – a mesma do Cristo -, uma vez o meu intelecto de posse de tal tesouro. Obtida, pois, a permissão para mais esse curso, matriculei-me na Academia que lhe era afeta e me dediquei fervorosamente ao nobre estudo.
Não era simplesmente um edifício a mais, figurando na extensa Avenida Acadêmica onde suntuosos palácios se alinhavam em magistral efeito de arte pura, mas escrínio de beleza arquitetônica, que levaria o pensador ao sonho e ao deslumbramento! Era também um templo, como as demais edificações, e nos seus majestosos recintos interiores a Fraternidade Universal era homenageada sem esmorecimentos, e sob as mais sadias inspirações da Esperança, por ministros do Bem, incansáveis em operosidades tendentes ao beneficio e progresso da Humanidade […]
[…] Era, todavia, a única edificação refulgindo tonalidades esmeraldinas e flavas, em desacordo com suas congêneres, que lucilavam nuanças azuladas e brancas, e que não obedecia ao clássico estilo hindu. Lembraria antes o estilo gótico, evocando mesmo certas construções famosas da Europa, como a catedral de Colônia, com suas divisões e reentrâncias bordadas quais joias de filigrana, suas torres apontando graciosamente para o alto entre flamejamentos que se diriam ondas transmissoras de perenes inspirações para o exterior. Os recintos interiores não decepcionavam, porquanto eram o que de mais belo e mais nobre pude apreciar nos interiores da Cidade Esperança. Feição de catedral, com efeitos de luzes surpreendentes e um acento de arte fluídica da mais fina classe que me seria possível conceber, compreendia-se imediatamente não serem orientais e tampouco iniciados os seus idealizadores; que não pertenceriam à falange sob cujos cuidados nos reeducávamos e que antes deveria tratar-se de realização transplantada de outras falanges, como que uma embaixada especial, sediada em outras plagas, mas com elevadas missões entre nós outros, e cuja finalidade seria, sem sombra de dúvidas, igualmente altruística.
Com efeito! A uma interrogação minha, Pedro e Salústio responderam tratar-se de uma filial da grande Universidade Esperantista do Astral, com sede em outra esfera mais elevada, a qual irradiava inspiração para suas dependências do Invisível, como até da Terra, onde já se iniciava apreciável movimentação em torno do nobilíssimo certame, entre intelectuais e pensadores de todas as raças planetárias! […]
[…] Tal como no desenrolar das lições ministradas pelos antigos mestres Aníbal e Epaminondas, desde o primeiro dia de aula na Academia de Esperanto verificou-se magistral desfile de civilizações terrenas. Suas dificuldades, muitas até hoje não sanadas, muitos dos seus mais graves impasses foram analisados sob nossas vistas interessadas, em quadros expositivos e sequentes como o cinematógrafo, mostrando a Humanidade a debater-se contra as ondas até hoje insuperáveis da multiplicidade de idiomas e dialetos, dificuldades que figuravam ali como um dos flagelos que assolam a atribulada Humanidade, complicando até mesmo o seu futuro espiritual, porquanto no próprio Mundo Invisível se luta contra estorvos motivados pela diferença de linguagem, nas zonas inferiores ou de transição, onde prolifera o elemento espiritual pouco evolvido ou ainda muito materializado […]
[…] Quantas vezes músicos célebres que viveram na Terra acompanharam as caravanas esperantistas à nossa Colônia, colaborando com suas sublimes inspirações, agora muito mais ricas e nobres, nessas fraternas festividades que o Amor ao próximo e o culto à Beleza promoviam! Mas tudo isso era manifestado em um estado de superioridade e grandiosa moral que os humanos estão longe de conceber!
Sucediam-se, porém, os concertos: cânticos orfeônicos atingiam expressões miríficas; peças musicais perante as quais as mais arrebatadas melodias terrenas empalideceriam; certames poéticos em cenas de declamação cuja suntuosidade tocava o inimaginável, arrebatando-nos até ao êxtase! E o idioma seleto de que se utilizava esse pugilo magnífico de artistas pertencentes a falanges que viveram e progrediram sob a bandeira de todos os climas, de todas as Pátrias do globo terrestre, era o Esperanto, aquele que iria coroar a iniciação que fizéramos, reeducando-nos aos conceitos da Moral, da Ciência e do Amor! […]
CAMILO CASTELO BRANCO